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No dia 01 de fevereiro de 2023, tivemos o prazer de receber no Instituto Pólis, localizado no centro de São Paulo, duas convidadas/especialistas para uma oficina com o tema "O trabalho com histórias de vida de crianças e famílias - Estratégias de cuidado". Aline Franco, psicóloga especialista em Práticas Psicossociais em Comunidades e Instituições e em Direitos Humanos e Políticas Públicas para Infâncias e Juventudes, e Luiza Maria Escardovelli Alcântara, psicóloga e mestra em Psicologia Social, técnica do Instituto Fazendo História, trouxeram um rico debate sobre a importância do trabalho com histórias de vida em contextos de medida protetiva.


Durante a oficina, as especialistas apresentaram práticas para trabalhar com histórias de vida, inclusive as mais difíceis, utilizando a abordagem conhecida como "histórias que curam". Elas demonstraram estratégias para lidar com narrativas traumáticas e ressaltaram a importância de se trabalhar com histórias de vida como uma forma de cuidado.


As convidadas citaram Conceição Evaristo e sua “escrevivência” como referências importantes para o trabalho com histórias de vida. A escrevivência é uma prática literária que valoriza e dá voz às histórias, permitindo que sejam ouvidas e reconhecidas, muitas vezes em contraposição à violência e opressão que muitos indivíduos experimentam em suas vidas.

Além de discutir o tema com o grupo presente, a oficina proporcionou a oportunidade de confeccionar uma página do álbum de história de vida, o que possibilitou a aplicação prática do conteúdo abordado na oficina. Foi um momento enriquecedor e de troca de experiências e conhecimentos.


O trabalho com histórias de vida é fundamental para a promoção de um cuidado mais completo e humanizado às crianças e famílias em situação de medida protetiva. A oficina foi uma oportunidade valiosa para refletir sobre a importância dessas histórias e como podemos utilizá-las como estratégia de cuidado.

No dia 26 de outubro, foi realizada no Instituto Pólis, no centro da cidade de São Paulo, a última oficina presencial de 2022 com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente). Com o tema Sexualidade, identidade de gênero e orientação afetivo sexual, o evento era destinado aos atores da rede da assistência social, como psicólogos, assistentes sociais, orientadores socioeducativos e educadores sociais.

Tatiana Barile, coordenadora do Programa Formação do Instituto Fazendo História, abriu o encontro fazendo uma breve apresentação do IFH e dos seus 5 programas — Apadrinhamento Afetivo, Grupo Nós, Com Tato, Formação e Fazendo Minha História —, bem como do serviço de Família Acolhedora.

O encontro contou com a participação de Ana Mogli Saura, que vive no extremo Sul da cidade de São Paulo e é mãe, nômade, educadora ambiental, agente de prevenção de ISTs/AIDS, instrutora de Yoga e artista, e Juliana Leandro, graduanda em Psicologia e com atuação no âmbito da assistência social como orientadora socioeducativa em Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA) e em Centros para Crianças e Adolescentes (CCA), tendo atuado ainda na prevenção de ISTs/AIDS no Serviço de Atenção Especializada de M’Boi Mirim (SAE).

Ana Mogli abre o encontro agradecendo o convite e a oportunidade de poder fazer intervenções, provocações e compartilhamentos de suas perspectivas, surgidas a partir das movimentações políticas e dos movimentos de resistência de que Ana participou, que, em suas palavras, “formaram, informaram, deformaram e transformaram” as suas vivências. Partindo de suas formações, que são informais, Ana fala sobre transindisciplinaridade e se apresenta como deseducadora transindisciplinar, no sentido de que seus pensamentos e suas práticas são atravessados por questões que não estão condicionadas a um ou outro campo do saber, mas sim à vida — o conjunto dos saberes —, que é a todo momento atravessada por afeto.

Ana ressalta o fato de estarmos em São Paulo, um território que há 522 anos vem sendo ocupado por forças de valores monoculturais que instituíram o que hoje conhecemos por Brasil — essa construção histórica, geográfica, cultural, econômica, política, social e religiosa que somos — com base necessariamente em violência e invasões de terras. Essa ocupação, feita por uma instituição colonial, ocidental, moderna, capitalista e obviamente patriarcal, se dá a partir de sequestro e escravismo, garantindo assim privilégios, domínio e uma lógica de mercantilização da vida em todos os aspectos, com objetificação dos seres vivos, humanos ou não humanos, como ocorreu no escravismo do passado e continua existindo no que se entende como o regime de trabalho moderno. Segundo ela, as questões de gênero sofrem influência de tudo isso, pois dão estrutura e base para a experiência social e jurídica e para a nossa existência enquanto corpos marcados pelo poder hierárquico. Isso não está separado dos desígnios econômicos, políticos, filosóficos e religiosos.

Ana compartilha um pouco das diferentes cosmogonias existentes no mundo, enfatizando que é impossível tratar um assunto de maneira genérica, pois cada grupo, território e localidade tem sua própria cosmogonia envolvendo as concepções de gênero e sexualidade, o que traz dinâmicas específicas para cada grupo social. A atuação do patriarcado, porém, se mostra semelhante nas diferentes civilizações, com a prevalência do poder masculino. A convidada acrescenta, entretanto, que há em certos grupos sociais uma pluralidade de perspectivas, práticas, vivências, experimentações e tradições, uma multiplicidade que opera como uma espécie de inversão do patriarcado, o qual impõe monoculturas, monoteísmos, monogamia e controle social.

Ana parte de um princípio “anticolonial, descolonizador, decolonial, contracolonial, antipatriarcado, anticapitalista e antirracista, que entende a imposição do patriarcado colonial, do binarismo de gênero, da heteronormatividade e da monogamia como tecnologia de controle social para a reprodução do sistema colonial capitalista moderno”. Nesse sentido, “o binarismo de gênero é a instituição de duas formas de se experimentar a subjetividade e a vida baseada em noções religiosas, filosóficas, morais, econômicas, cientificistas, biologizantes, heteroprodutivistas e especistas”.

Dando prosseguimento ao encontro, a convidada Juliana Leandro inicia sua fala trazendo uma linha do tempo da sua vida e compartilhando com o grupo a breve história de como chegou ao seu primeiro serviço de acolhimento, um SAICA, onde trabalhou como orientadora socioeducativa.

Juliana relata que vem da margem da sociedade e que durante muitos anos foi prostituta. Assim como ela, para tantas outras travestis e mulheres trans, essa é a única opção para viver. Durante todo o tempo em que viveu nessas condições, Juliana diz que não conseguia imaginar que um dia estaria numa oficina como essa, compartilhando seus saberes.

Juliana compartilha um pouco sobre as violências que sofreu, tendo sido agredida na infância só por ser quem era. Diz como essas violências não mudaram seu desejo de viver e de ser a mulher que sempre foi. Ela menciona ainda sua trajetóriafora do país, momento em que também sofreu muitas violências.

Em seguida, descreve as violências que sofreu nas esquinas e em abordagens policiais, e ressalta que a lei criada a partir do programa Transcidadania não é seguida na prática. Ela compartilha com o grupo uma situação na qual foi violentada por um policial e, ao prestar queixa, foi orientada a não seguir adiante, pois poderia sofrer as consequências.

Depois de muitas dificuldades e após o falecimento dos seus pais, Juliana conheceu uma pessoa que posteriormente a convidou para trabalhar em um serviço de acolhimento. Dentro do serviço, embora tenha sofrido preconceito por parte dos funcionários, foi muito bem recebida por todos os acolhidos. Em seguida, compartilha uma das experiências que considera mais importantes naquele serviço: o momento em que uma menina trans, muito fragilizada por toda a situação anterior ao acolhimento, chegou ao serviço, e o gerente do serviço pediu a Juliana que auxiliasse a recém-chegada. Esse olhar mais humanizado, segundo ela, é de grande a juda na formação de vínculo. Assim como aconteceu de Juliana de não ter sido aceita por todos os funcionários, a menina recém-acolhida também sofreu violência por parte dos educadores, mas se sentiu muito bem acolhida pelos outros jovens. Esse episódio fez com que Juliana percebesse o quanto gostava da nova profissão.

Com muita sensibilidade, ela reforça a necessidade de haver, através dos deveres e dos direitos, um olhar mais humanizado àqueles que diariamente são violentados. Ao reforçar a importância de os pares se organizarem para que possam, juntos, resguardar seus direitos, Juliana marca o encontro com uma frase que carrega consigo: Resistir para Existir.



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